Com 65 votos favoráveis e 13 contrários, o PL 4.261/19 – novo Marco Legal do Saneamento Básico – foi aprovado pelo Senado Federal em 24/06/2020. O projeto de lei, que seguirá para sanção presidencial, altera pontos relevantes no sistema normativo vigente.
Pesquisa realizada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável[1] indicam que o Brasil ainda não alcançou as metas de universalização do saneamento básico, ocupando a 112ª posição em um ranking que contempla 200 países.
E mais, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, mais de 100 milhões de pessoas não têm acesso ao sistema de esgoto, enquanto quase 35 milhões não têm acesso à água tratada[2].
Diante deste cenário desafiador para universalização do acesso ao saneamento básico, verificou-se a necessidade de alteração do atual paradigma normativo, visando atrair investimentos do setor privado para efetiva implementação de serviços essenciais, tais como água tratada e coleta residencial de esgoto. Estudo[3] realizado pela Confederação Nacional das Indústrias destacou a importância da concorrência para reverter o atraso no saneamento básico. De acordo com dados da pesquisa realizada, “as companhias estaduais são responsáveis por cerca de 73% do mercado com delegações embasadas nos chamados de contrato de programa que não estabelecem metas claras de investimentos ou atendimento e são constantemente renovadas sem uma avaliação sistêmica da qualidade e eficiência do serviço prestado.” A falta de concorrência e investimentos do setor privado são apontados como os principais fatores de precariedade do atual sistema de saneamento.
Neste contexto, temos que a aprovação do PL 4.261/19 representa grande avanço normativo no que tange à modernização do arcabouço normativo do setor de saneamento. Assim como ocorreu em momento anterior com os setores de energia elétrica e telecomunicação, a introdução de investimento privado no setor é promissora e, além de propiciar maior concorrência, poderá representar importante estímulo à economia e aos investimentos, com a consequente abertura de novos postos de trabalho.
Pelo atual modelo, os municípios celebram os denominados “contratos de programa” com empresas estatais de água e esgoto, sem a necessidade de licitação. O novo marco legal extingue essa modalidade de contrato, substituindo-o por concessões a serem conferidas por meio de licitações com a participação de empresas do setor privado, facilitando ainda o processo de privatização de empresas estatais.
Os contratos de prestação de serviços de saneamento deverão incluir metas de universalização de 99% de cobertura para abastecimento de água e 90% de cobertura e tratamento de esgoto até o ano de 2033. Estima-se que o investimento necessário para que a meta seja alcançada supere R$ 400 bilhões[4]. Caso as metas não sejam cumpridas pela empresa contratada, o novo marco legal prevê a possibilidade de perda da concessão e a realização de nova licitação.
Para substituir a receita oriunda das tarifas cobradas pelas empresas estatais de saneamento, os municípios poderão cobrar por outros serviços urbanos, como poda de árvores, varrição de ruas e limpeza de estruturas de drenagem de água da chuva. Caso a cobrança não seja regulamentada em até 1 (um) ano a partir da entrada em vigor do novo marco legal, isso será considerado renúncia de receita e o impacto orçamentário deverá ser demonstrado. Os serviços citados também poderão integrar as concessões.
Outro ponto de destaque no novo marco legal é a padronização do sistema regulatório. Atualmente, os entes da federação (Estados e Municípios) são responsáveis majoritários pela prestação de serviços de saneamento, o que ocasiona uma ausência de padronização nas normas vigentes. O PL 4.261/19, visando solucionar tal situação, atribuí à ANA – Agência Nacional de Águas- o papel de agente regulador do setor, uniformizando parâmetros gerais de contratação e atuação de empresas do setor privado. A Agência deverá atuar de forma a estabelecer normas de referência sobre padrões de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos serviços, a regulação tarifária, padronização dos contratos e controle de perdas de água.
Para facilitar a expansão do acesso ao saneamento a municípios menores, a PL 4.261/19 cria ainda a concessão por blocos. Atualmente municípios maiores, por meio do denominado subsídio cruzado, auxiliam no financiamento para implementação de saneamento em municípios menores. A nova regulamentação permitirá a composição de blocos de municípios (ainda que não sejam vizinhos), possibilitando assim a contratação conjunta de uma mesma empresa para prestação dos serviços de saneamento e tratamento de água, sendo vedada a contratação de empresas estatais (contratos de programa) e a subdelegação dos serviços.
Ademais, o novo marco legal altera a atual Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei 2.305/2010, a qual dispõe sobre o gerenciamento de resíduos sólidos e rejeitos. A norma previa prazo até o ano de 2014 para o fim dos aterros sanitários, contudo, diante das diversas dificuldades enfrentadas pelos municípios, o prazo foi sucessivamente prorrogado. Pelo novo marco legal, fica estabelecido que os municípios terão um prazo que vai de 2021 (capitais e regiões metropolitanas) até 2024 (municípios com menos de 50 mil habitantes) para que o atual sistema de descarte de resíduos seja adequado para um padrão ambientalmente sustentável.
Diante da aprovação do projeto pela Câmara de Deputados e pelo Senado Federal, a PL 4.261/19 será submetida à sanção presidencial. Espera-se que o projeto de lei seja sancionado integralmente, com exceções aos artigos 7º (previsão de reembolso dos loteadores sobre as despesas com infraestruturas que não se destinem exclusivamente a atender o próprio empreendimento), art. 14 §1º (dispensa da anuência dos municípios para conversão de contrato de programa em contrato de concessão) e 20 (delegação, convênios e instituição de fundos).
Após a sanção presidencial, aguarda-se para os próximos meses uma série de decretos regulamentadores da lei promulgada, visando estabelecer critérios para ressarcimento de investimentos feitos por empresas públicas e ainda não amortizados, bem como a forma de comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas em licitações para garantir o cumprimento das metas de universalização.
Pela necessidade de regulamentação e atuação efetiva da Agência Nacional de Águas, que deve ter sua estrutura ampliada para desempenhar as funções estabelecidas pelo novo marco legal, acredita-se que o impacto no setor será sentido nos próximos anos, aliado à elevação da capacidade de captação de crédito pelas empresas da área e à evolução dos processos de desestatização conduzidos pelo BNDES. Já as licitações para celebração dos contratos de concessão estão previstas para 2023, segundo as previsões já realizadas pelo mercado.[5]
Lucas Santos
(31) 3261-8083
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[1] https://cebds.org/estudo-destaca-beneficios-com-expansao-saneamento-brasil. Acesso em 29.06.20
[2] http://www.snis.gov.br/diagnostico-anual-agua-e-esgotos/diagnostico-dos-servicos-de-agua-e-esgotos-2018. Acesso em 29.06.20
[3] A importância da concorrência para o saneamento básico, Confederação Nacional das Indústrias, 2019. Acesso em 29.06.20
[4] https://conteudos.xpi.com.br/acoes/relatorios/5-perguntas-e-respostas-sobre-o-novo-marco-do-saneamento/. Acesso em 29.06.20
[5] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/06/licitacoes-de-saneamento-pelo-novo-marco-regulatorio-devem-comecar-apenas-em-2023.shtml. Acesso em 29.06.20