Depósito Judicial sem imediata satisfação do crédito não extingue a obrigação do devedor – Análise do Tema repetitivo 677 do STJ | por Marco Túlio Dias e Luiz Henrique Amarante

  1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA – PARADIGMA ANTERIOR – DEPÓSITO JUDICIAL DO MONTANTE EXECUTADO DESONERA O DEVEDOR DOS ENCARGOS DE MORA

Trata-se de análise motivada pela revisão da tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ no âmbito do Tema 677, instaurado sob a sistemática do julgamento dos recursos especiais repetitivos estabelecido, inicialmente, no art. 543-C do Código de Processo Civil/73 e atualmente regrado pelo art. 1.036 e seguintes do CPC/2015.

O Tema repetitivo em questão foi inicialmente afetado[1] em 04/06/2013, pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ na oportunidade de julgamento do Recurso Especial nº 1.348.640/RS. Na ocasião, buscava-se estancar o questionamento recorrente “se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor.”.

Firmada, no ano de 2014, a Tese pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ no sentido de que “Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada.”

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DEPÓSITO JUDICIAL. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. ENCARGO DA INSTITUIÇÃO DEPOSITÁRIA.
1. Para fins do art. 543-C do CPC: “Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”. 2. Aplicação da tese ao caso concreto.3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp n. 1.348.640/RS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Corte Especial, julgado em 7/5/2014, DJe de 21/5/2014.)

Portanto, naquele paradigma, o depósito judicial do valor executado extinguia definitivamente a obrigação do devedor até o montante depositado. Significava dizer que, com a realização do depósito (mesmo em garantia do juízo) o devedor não seria mais responsável pela correção monetária e juros de mora a partir de então.

Consequentemente, o valor depositado era atualizado monetariamente pela instituição financeira até a liberação em favor do credor, adotando-se a remuneração base prevista para as contas judiciais – o credor faria jus apenas ao montante depositado acrescido da remuneração vinculada à atualização monetária do valor realizada pela instituição financeira custodiante.

Ressalta-se, como pontuado, que a tese acima foi firmada sob o rito dos recursos especiais repetitivos, estabelecendo precedente sobre o tema a ser obrigatoriamente observado pelo Poder Judiciário em todas as instâncias, conforme previsto no artigo 927, do Código de Processo Civil[2].

2. REVISÃO DO ENTENDIMENTO CONSOLIDADO – RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR EM ARCAR COM OS CONSECTÁRIOS DE MORA ATÉ A ENTREGA DEFINITIVA DO VALOR AO CREDOR

Mesmo com o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ acima disposto, a divergência interpretativa estabelecida, com a multiplicação de julgados em sentido diverso ao decidido na tese firmada, motivou novo debate sobre o tema.

Ato contínuo, a Corte Especial do STJ acolheu Questão de Ordem suscitada no Recurso Especial nº1.820.963/SP, em sessão realizada em 07/10/2020, para instaurar procedimento de revisão do Tema 677/STJ, nos termos do voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi.

Com a submissão da proposta de revisão da tese firmada, houve julgamento finalizado em 19/10/2022, em que, por maioria da Corte Especial[3], foi deliberado pela alteração do entendimento anterior. Estabelecida, portanto, a nova redação da tese firmada no acórdão publicado em 16/12/2023, a saber:


“Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.”.

No acordão lavrado, a nova redação do precedente é justificada pelo entendimento de que a purga da mora, na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento voluntário desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade, momento este que se dá, no Processo Civil, com a declaração de quitação da quantia paga quando do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores[4]. Confira-se a ementa.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA 677/STJ. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE ATIVOS FINANCEIROS. DEPÓSITO JUDICIAL. ENCARGOS MORATÓRIOS PREVISTOS NO TÍTULO EXECUTIVO. INCIDÊNCIA ATÉ A EFETIVA DISPONIBILIZAÇÃO DA QUANTIA EM FAVOR DO CREDOR. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. NATUREZA E FINALIDADE DISTINTAS DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E DOS JUROS MORATÓRIOS. NOVA REDAÇÃO DO ENUNCIADO DO TEMA 677/STJ.

1. Cuida-se, na origem, de ação de indenização, em fase de cumprimento de sentença, no bojo do qual houve a penhora online de ativos financeiros pertencentes ao devedor, posteriormente transferidos a conta bancária vinculada ao juízo da execução.

2. O propósito do recurso especial é dizer se o depósito judicial em garantia do Juízo libera o devedor do pagamento dos encargos moratórios previstos no título executivo, ante o dever da instituição financeira depositária de arcar com correção monetária e juros remuneratórios sobre a quantia depositada.

3. Em questão de ordem, a Corte Especial do STJ acolheu proposta de instauração, nos presentes autos, de procedimento de revisão do entendimento firmado no Tema 677/STJ, haja vista a existência de divergência interna no âmbito do Tribunal quanto à interpretação e alcance da tese, assim redigida: “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.

4. Nos termos dos arts. 394 e 395 do Código Civil, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento na forma e tempos devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores monetários, além de honorários de advogado. A mora persiste até que seja purgada pelo devedor, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida, acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/02).

5. A purga da mora, na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento voluntário desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade.

6. No plano processual, o Código de Processo Civil de 2015, ao dispor sobre o cumprimento forçado da obrigação, é expresso no sentido de que a satisfação do crédito se dá pela entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos bens penhorados, nos termos do art. 904, I, do CPC.

7. Ainda, o CPC expressamente vincula a declaração de quitação da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores (art. 906).

8. Dessa maneira, considerando que o depósito judicial em garantia do Juízo – seja efetuado por iniciativa do devedor, seja decorrente de penhora de ativos financeiros – não implica imediata entrega do dinheiro ao credor, tampouco enseja quitação, não se opera a cessação da mora do devedor. Consequentemente, contra ele continuarão a correr os encargos previstos no título executivo, até que haja efetiva liberação em favor do credor.

9. No momento imediatamente anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, deve ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor.

10. Não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros.

11. O Tema 677/STJ passa a ter a seguinte redação: “na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”.

12. Hipótese concreta dos autos em que o montante devido deve ser calculado com a incidência dos juros de mora previstos na sentença transitada em julgado, até o efetivo pagamento da credora, deduzido o saldo do depósito judicial e seus acréscimos pagos pelo Banco depositário.

13. Recurso especial conhecido e provido.(REsp n. 1.820.963/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 19/10/2022, DJe de 16/12/2022)

Diante disso, pela nova redação da Tese, definiu-se pelo Superio Tribunal de Justiça – STJ que o depósito judicial realizado no curso da execução não isenta o devedor de adimplir com os encargos de mora previstos no título executivo, até a liberação definitiva do valor em favor do autor/credor.

Consequentemente, (i) quando da efetiva entrega do valor depositado ao credor, torna-se necessário apurar eventual diferença entre o valor depositado em conta judicial (remunerado pela instituição bancária) e o importe devido e atualizado até a data do levantamento, considerando a incidência dos encargos de mora estabelecidos no título executivo; e (ii) havendo diferença, caberá ao devedor suportá-la, a fim de que o credor receba o montante total indicado no título executivo, devidamente atualizado e com incidência de juros moratórios, conforme a condenação judicial.

Em perspectiva, considerando os fundamentos que deram lastro à revisão da Tese, é possível verificar desdobramentos relevantes para credores e devedores.

Viável considerar que a alteração de entendimento poderá incentivar o cumprimento espontâneo da obrigação pelo devedor e dar maior celeridade ao procedimento executivo, garantindo ainda, ao credor, a atualização dos consectários de mora do valor devido.

Entretanto, isso pode ter um efeito desencorajador para os devedores em relação aos depósitos judiciais. Isso ocorre porque os encargos de mora continuarão a incidir mesmo após o depósito, e a remuneração básica aplicada ao valor depositado pode não ser a mais favorável. Além disso, existe a possibilidade de uma execução futura do saldo remanescente, o que pode prejudicar o fluxo de caixa do executado.

Ao argumento principal de ausência de modulação dos efeitos da alteração do entendimento[5], foram opostos Embargos de Declaração nos autos do REsp 1.820.963/SP. Arguido, pelos embargantes,  em especial: i. Vício de omissão relativo ao objeto do depósito judicial, não se tratando de atitude protelatória por parte do devedor, impedindo, assim, que seja imputada qualquer penalidade ao executado; ii. Omissão relativa à participação de todos os Ministros da Corte Especial no julgamento sobre a modulação dos efeitos; iii. Contradição entre a alteração de tese consolidada e a ausência de modulação de efeitos; e iv. Omissão sobre os diversos impactos da decisão causados pela inexistência de modulação dos efeitos da nova tese.

No dia 03/04/2024, a Corte Especial rejeitou, por unanimidade, os Aclaratórios (Acórdão disponibilizado em 18/04/2024). Consignado pela Relatora, Ministra Nancy Andrighi, que a oposição dos embargos não poderia servir para realizar novo julgamento da lide e, no caso, não haveria falar em omissão apenas “porque o julgamento foi contrário aos interesses da parte embargante”[6].

Entendeu, a Ministra, portanto, que  todos os argumentos foram levados em consideração na oportunidade do julgamento que revisou o entendimento, inclusive no tocante a modulação. E, ainda, reforçou o entendimento com transcrição do seguinte excerto do acórdão embargado[7]:

14. Assim, tem-se que somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada.

15. Deveras, se o depósito é feito a título de garantia do juízo ou se é coercitivo, decorrente da penhora de ativos financeiros, não se opera a cessação da mora do devedor, haja vista que, em hipóteses tais, não ocorre a imediata entrega do dinheiro ao credor, cujo ato enseja a quitação do débito.

16. Consequentemente, se o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária previstos no título executivo, ou eventuais outros encargos contratados para a hipótese de mora (v. g. comissão de permanência), até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica dos valores.

17. Evidentemente, no momento anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, há de ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor. […]

22. Assim, em suma, não se pode atribuir o efeito liberatório do devedor por causa do depósito de valores para garantia do juízo, com vistas à discussão do crédito postulado pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, porque não se tratam de pagamento com animus solvendi.

23. Aliás, entendimento em sentido diverso teria o nefasto condão de estimular a perpetuidade da execução, porquanto, uma vez ultrapassado o prazo para o pagamento da dívida – com isenção de multa e honorários advocatícios, no cumprimento de sentença judicial (art. 523 do CPC/15), ou com o pagamento dos honorários pela metade, na execução de título extrajudicial (art. 827 do CPC) – a menor ou maior duração do processo executivo em nada influenciaria o valor final do débito, se sua atualização (lato sensu) ocorresse apenas mediante o pagamento dos juros remuneratórios e da correção monetária, devidos por força do contrato de depósito mantido com a instituição financeira. […]

26. Nesses termos, a conclusão do presente julgamento não pode ser outra senão aquela que fora adotada pela Terceira Turma no REsp 1.475.859/RJ, no sentido de que o depósito judicial efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não libera o devedor dos consectários próprios de sua mora, devendo-se, quando do efetivo pagamento ao credor, deduzir do montante calculado na forma do título judicial ou extrajudicial o valor depositado judicialmente e acrescido da correção monetária e juros pagos pela instituição financeira depositária. 27. Na mesma linha de intelecção, cita-se, por oportuno, os seguintes julgados: AgInt no REsp 1.629.206/PR, 3ª Turma, DJe 21/02/2019; AgInt no AgInt no AREsp 1.687.672/SP, 3ª Turma, DJe 11/12/2020; (AgInt no AgInt no REsp 1.404.012/PR, 4ª Turma, DJe 13/02/2019; AgInt no AREsp 268.431/RS, 4ª Turma, DJe 22/05/2019; AgInt no AREsp 348.446/SP, 4ª Turma, DJe 03/09/2019; AgInt no AREsp 688.982/RS, 4ª Turma, DJe 19/12/2019. (fls. 1185-1189) [g.n.]

A despeito do entendimento esposado pela Ministra Nancy Andrighi no julgamento dos Embargos de Declaração, em hipóteses envolvendo a existência de depósitos em garantia, ou, penhoras anteriores à 19/10/2022 (data de julgamento do REsp. 1.820.963/SP), poder-se-ia, em tese, suscitar a possibilidade de se arguir a irretroatividade do novo entendimento.

O ponto focal seria explicitar que o entendimento jurisprudencial vigente no momento do depósito do valor, a ser obrigatoriamente observado pelo Poder Judiciário, conforme previsão do artigo 927 do Código de Processo Civil[8], era em sentido totalmente diverso à nova redação adotada pelo STJ em 19/10/2022, gerando legítima expectativa, pelo devedor, que o depósito, ou, penhora realizada a título de garantia no valor total executado naquele momento seria suficiente para eximir integramente o executado das cominações de mora.

 Essa ideia, inclusive, foi respaldada em alguns julgados, a exemplo, do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, embora de forma esparsa e não majoritária. Cita-se:

PREVIDÊNCIA PRIVADA. AÇÃO DE REVISÃO E COMPLEMENTAÇÃO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Devolução da matéria para reexame da questão fundada no artigo 1.030, II, do Código de Processo Civil. Depósito judicial efetuado como garantia da execução. Deliberação da C. Câmara conforme o Tema 677 do E. Superior Tribunal de Justiça. Revisão recente da tese pela Corte Superior. Resp nº 1.820.963/SP. Ao tempo do Acórdão estava em vigor o tema que foi alterado. O devedor agiu de acordo com a regra a ser obedecida e não pode ser tomado de surpresa por alteração de entendimento. Decisão anterior mantida.
(TJSP;  Agravo de Instrumento 2132983-60.2022.8.26.0000; Relator (a): Dimas Rubens Fonseca; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cachoeira Paulista – 1ª Vara; Data do Julgamento: 11/05/2023; Data de Registro: 11/05/2023)

Execução em Cumprimento de Sentença – Ação Civil Pública – Caderneta de Poupança – Expurgos Inflacionários – Termo final de atualização do valor devido – Observância de tese vinculante fixada pelo C. STJ, no julgamento do REsp 1.348.640/RS (Tema 677) sob o regime de repetitivos, em atenção ao tempo da prática do ato (‘tempus regit actum’) – Atualização até a data do depósito judicial em garantia – Súmula nº 179/STJ – Valor colocado à disposição do Juízo – Correção a cargo do banco depositário – Reconhecimento – Peculiaridade – Proposta de revisão do Tema 677/STJ, no âmbito do julgamento do REsp 1.820.963/SP, que ainda não transitou em julgado – Decisão mantida. Recurso não provido. 
(TJSP;  Agravo de Instrumento 2301633-70.2022.8.26.0000; Relator (a): Henrique Rodriguero Clavisio; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jaboticabal – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/03/2023; Data de Registro: 08/03/2023)

Todavia, em análise preliminar, acredita-se que a jurisprudência caminhará pelo precedente de aplicação imediata e alcance aos depósitos já realizados. Confira-se nos recentes julgados abaixo colacionados:

Agravo de Instrumento. Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenizatória em fase de cumprimento de sentença. Decisão que julgou improcedente a impugnação da agravada e acolheu a indicação de seguro garantia. Agravante que não se conforma com o seguro garantia acolhido, bem como requer a incidência de honorários advocatícios e multa de 10%, previstos no artigo 523, § 1º do CPC. Inexistência de pagamento voluntário. Seguro garantia que é perfeitamente admissível no ordenamento jurídico.  No caso, como bem observado pelo Magistrado, o seguro garantia é equivalente a dinheiro e o que foi prestado, supera o valor devido. Entretanto, o seguro garantia não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora. Tema 677 do STJ. Incidência de honorários e multa. Acerto inequívoco das razões recursais. Precedentes.   PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. (TJRJ – Agravo de Instrumento nº 0006089-97.2024.8.19.0000 Des(a). SIRLEY ABREU BIONDI. Sexta Câmara de Direito Privado- Julgamento: 11/04/2024)

PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO OU CONSIGNAÇÃO DOS VALORES DEVIDOS. INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTAS. TEMA 677, DO STJ.  1.  Diante da ausência de pagamento ou consignação dos valores devidos pelo executado, não é possível que seja afastada do valor do débito a incidência de juros e multas decorrentes, sob pena de enriquecimento sem causa, e ainda de macular a coisa julgada, desobedecendo aos artigos 505 e 507 do CPC.  2.  Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Inteligência do Tema nº 677 do STJ.   3.  Agravo de instrumento não provido. Agravo interno prejudicado. (TJDFT –  AGRAVO DE INSTRUMENTO 0726521-66.2023.8.07.0000, Relator Arnoldo Camanho – 4ª Turma Cível, Data do Julgamento: 03/04/2024, Data da Publicação: 17/04/2024)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXPURGOS – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DEPÓSITO JUDICIAL – JUROS DE MORA – CORREÇÃO MONETÁRIA -TEMA 677/STJ – INCIDÊNCIA. I- Nos termos do Tema nº. 677/STJ do Superior Tribunal de Justiça, “o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”. II- Constatado que o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária previstos no título executivo, até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica dos valores.(TJMG – Agravo de Instrumento: 3291897-37.2023.8.13.0000 1.0000.22.018345-3/005, Relator: Des.(a) Fernando Caldeira Brant, Data de Julgamento: 17/04/2024, 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/04/2024)

Embargos de declaração opostos contra acórdão proferido por Magistrada já aposentada – Decisão de acordo com o tema 677 do STJ, em sua nova redação – Determinação do C. STJ, para este caso concreto, de aplicação da nova sistemática- Acórdão que cumpriu a determinação – Declaratórios que postulam modulação- Circunstância não analisada no v. Acórdão embargado, o que implica em conhecimento do recurso- Rejeição, contudo, do efeito modificativo – Pretensão de modulação dos efeitos – Inadmissibilidade, à vista da expressa deliberação em sentido contrário pelo STJ, na hipótese dos autos – Precedentes desta C. Câmara que não podem ser seguidos, circunstancialmente -Ademais, na dicção do art. 1.040, II, do CPC, a aplicação do tema prescinde do trânsito em julgado do v. acórdão, a arredar a ideia de que necessária a suspensão do processo – Precedentes desta Corte e do STJ – Embargos acolhidos, porém, sem efeitos modificativos. (TJSP;  Embargos de Declaração Cível 2050445-03.2014.8.26.0000; Relator (a): Michel Chakur Farah; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 11ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/04/2024; Data de Registro: 22/04/2024)

Conforme pontuado, após publicação do acórdão acolhendo a proposta de revisão da tese firmada no âmbito do Tema Repetitivo 677, foram opostos Embargos de Declaração arguindo diversos Vícios de Omissão e Contradição na decisão prolatada.

A Pretensão foi rejeitada[9] e, sem prejuízo da ausência do trânsito em julgado, a nova redação do Tema 677 pode ser aplicada com fundamento no disposto no art. 1.040, Inciso III, do Código de Processo Civil, segundo o qual “Publicado o Acórdão Paradigma (…) os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior”[10].

Percebe-se, para tanto, que o entendimento acima tem sido majoritário em razão do efeito vinculante e de aplicação imediata do Precedente da Corte Superior.

E em razão da alteração da jurisprudência inicialmente aplicada ao tema, tem-se que o depósito em garantia, s.m.j, não ilidirá a incidência dos respectivos encargos sobre o valor do débito, motivo pelo qual, realizado nos autos pelo Devedor, (i) o marco temporal para cômputo de eventual saldo remanescente será, s.m.j, o depósito efetuado pelo executado; e (ii) serão descontados os consectários incidentes sobre os valores decorrentes de sua manutenção em conta vinculada à instituição financeira custodiante.

3. CONCLUSÃO

Com o paradigma estabelecido pela nova redação da tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça -STJ no Tema Repetitivo 677, “somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada”[11].

Significa dizer, se o depósito ocorre como garantia judicial ou coercitiva decorrente da penhora de ativos financeiros, a mora do devedor não é cessada devido à falta de imediata entrega do montante ao credor para quitação da dívida.

Consequentemente, os juros moratórios, a correção monetária e outros encargos continuariam a incidir sobre o devedor até que haja a efetiva liberação dos valores ao credor, seja por meio de mandado de levantamento ou transferência eletrônica o que, por si só, poderá provocar uma reflexão sobre a própria eficácia do depósito em garantia.

A Corte, por fim, decidiu que não é necessário modular os efeitos da nova decisão, indicando que não haverá restrição temporal à sua eficácia, ou seja, o novo entendimento será aplicado aos casos em tramitação[12], mesmo que exista garantia constituída anteriormente, convolando-se, possivelmente, no maior impacto decorrente da nova redação do Tema.

Marco Túlio Dias | Sócio Diretor do Abi-Ackel Advogados, Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais, Especialista em Direito Processual, Especialista em Direito Social e Especialista em Gestão de Escritórios de Advocacia pelo Fundação Dom Cabral.

Luiz Henrique Amarante | Advogado do Abi-Ackel Advogados Associados, Especialista em Direito do Trabalho, Gestão Jurídica e Gestão de Negócios, com experiencia em gestão de equipes multidisciplinares, com atuação voltada para área contenciosa e consultiva no âmbito de Direito Civil, Securitário, Trabalhista e Tributário. 


[1] Considerando a multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica controvérsia.

[2] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:[…]

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

[3] A alteração da Tese foi aprovada pelo voto de 7 (sete) ministros, com 6 (seis) votos pela manutenção do entendimento anteriormente firmado.

[4] Art. 906. Ao receber o mandado de levantamento, o exequente dará ao executado, por termo nos autos, quitação da quantia paga.

Parágrafo único. A expedição de mandado de levantamento poderá ser substituída pela transferência eletrônica do valor depositado em conta vinculada ao juízo para outra indicada pelo exequente.

[5] Sobre tal questão, tem-se que a possibilidade de modulação dos efeitos da tese apenas foi objeto do voto dos 7 (sete) Ministros favoráveis à reforma do entendimento, tendo sido afastada pelo voto de 4 (quatro) Ministros.

[6] Edcl no REsp n. 1.820.963/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 03/04/2024, DJe de 18/04/2024

[7] REsp n. 1.820.963/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 19/10/2022, DJe de 16/12/2022

[8] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:[…]

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

[9] Com possibilidade de interposição de recurso contra o decisum que definiu a nova redação da tese, contudo e, em regra, sem efeito suspensivo.

[10] Precedentes: TJSP; Agravo de Instrumento 2006927-11.2024.8.26.0000; Relator (a): Theodureto Camargo; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Macatuba – Vara Única; Data do Julgamento: 27/03/2024; Data de Registro: 27/03/2024;

TJSP; Agravo de Instrumento 2303834-98.2023.8.26.0000; Relator (a): Galdino Toledo Júnior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Bauru – 4ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 13/03/2024; Data de Registro: 13/03/2024.

[11] Edcl no REsp n. 1.820.963/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 18/04/2024

[12] Disposição também do art. 1.040, III do CPC

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