A (Im)Possibilidade de Equiparação das Associações Civis às Sociedades Empresárias para fins de Submissão ao Regime da Recuperação Judicial Regulado pela Lei Federal Número 11.101/2005 | Caio Müller e Thiago Kopperschmidt para o Portal Migalhas

CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL DO TEMA

O aumento substancial da distribuição de pedidos de Recuperação Judicial no Brasil tem sido notório no decorrer do ano de 2023.

Conforme dados divulgados pelo Serasa Experian[3], foram registrados, apenas no mês de setembro do presente ano, 136 (cento e trinta e seis) novas ações recuperacionais, cujo número representa um crescimento de 94,3% (noventa e quatro vírgula três por cento), em comparação ao mesmo período do ano de 2022.

Inúmeras têm sido as explicações de especialistas para justificar a referida majoração, que englobam desde os efeitos da pandemia do novo coronavírus, até uma maior disseminação e compreensão, do setor econômico privado nacional, quanto à natureza e benefícios do Instituto, assim como suas finalidades e consequências de seu manejo. Em razão disto, percebe-se, também, uma acentuação das discussões acerca do alcance dos procedimentos recuperacionais.

A doutrina especializada e o Poder Judiciário, então, considerando o cenário econômico atualmente verificado no Brasil, passaram a se debruçar sobre a possibilidade de agentes econômicos não necessariamente enquadrados, à exatidão, ao conceito de sociedades empresárias, ou, empresários, submeterem-se às disposições da Lei Federal nº 11.101/2005.

Pois bem. Inicialmente, é importante destacar que o artigo 1º, caput, da Lei de Recuperação Judicial e Falência é expresso ao dispor que a referida Legislação “disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.”.

Neste sentido, importante destacar que, sob a perspectiva da clássica Teoria da Empresa, o conceito de empresário, ou, sociedade empresária leva em consideração, em sintonia com o disposto no artigo 966, caput, do Código Civil Brasileiro[4], precipuamente, uma convergência de vontades para uma finalidade comum e indubitavelmente econômica, sendo, a maior delas, o lucro e a divisão dos resultados auferidos em razão do exercício da atividade respectiva.

Neste sentido, em uma interpretação literal e restritiva dos conceitos e dispositivos anteriormente mencionados, poder-se-ia pressupor que apenas, e tão somente, pessoas jurídicas tipicamente empresárias poderiam se valer do procedimento recuperacional.

Entretanto, discussões relevantes sobre a temática vêm se intensificando.

A doutrina especializada e a jurisprudência têm, gradativamente, e certamente em razão do já mencionado contexto econômico nacional, aguçado as discussões e análises relativas à possibilidade de pessoas jurídicas não caracterizadas, eminentemente, como sociedades empresárias, valerem-se do regime da Recuperação Judicial.

Embora o debate se estenda a diversos agentes econômicos, neste momento, o recorte pretendido limitar-se-á a investigar a compatibilidade dos feitos recuperacionais com as Associações Civis, constituídas na forma do artigo 53, caput e seguintes, do Código Civil Brasileiro.

A POSSÍVEL APLICAÇÃO DO REGIME RECUPERACIONAL ÀS ASSOCIAÇÕES CIVIS

A indagação maior, dentro da temática, é se seria possível, ou, jurídico e economicamente aceitável, que Associações Civis se valham do Procedimento Recuperacional.

A avaliação e constatação da real condição do agente, indubitavelmente, mostra-se como elemento imprescindível para que determinadas conclusões sejam extraídas.

Em outras palavras, uma Associação Civil que realiza, ou, exerce algum tipo de atividade econômica, ainda que não haja, até por sua natureza jurídica, intenção lucrativa, equiparar-se-ia às sociedades empresárias para fins de submissão ao regime recuperacional?

Como previamente mencionado, não se desconhece o disposto nos já mencionados artigos 1º, caput, da Lei Federal nº 11.101/2005[5] e 966, caput, do Código Civil[6].

Contudo, é imprescindível se perquirir sobre a amplitude e sobre a racionalidade destes dispositivos, especialmente considerando o modelo de funcionamento do mercado empresarial brasileiro e as normativas aplicáveis a seus agentes.

Nesta perspectiva, interessante destacar que Marlon Tomazette[7], em seu Curso de Direito Empresarial, argumenta que o empresário individual e sociedade empresária, são espécies do gênero empresário e delimitam o âmbito de incidência da falência, da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial, os quais não se aplicam a todos indistintamente, mas apenas a eles.”. E complementa que para entender a quem se aplica a falência, a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial, é fundamental identificar quem se enquadra ou não no conceito de empresário.”.

Assim, com base neste posicionamento, considerara-se que o principal requisito genérico de submissão ao regime recuperacional seria, em regra, a típica caracterização do interessado como empresário, no sentido literal do conceito – conforme disposto acima.

Todavia, as discussões que pairam acerca da possibilidade de Associações Civis se valerem da Ação de Recuperação Judicial levam em consideração conceitos jurídicos que, a despeito de se englobarem ao Direito Empresarial, são multidisciplinares.

E a partir disto, isto é, de uma conjunção de uma série de dispositivos, constitucionais e infraconstitucionais, e mediante interpretação teleológica, procede-se com a avaliação de congruência entre a Lei Federal nº 11.101/2005 e as Associações Civis.

CARACTERIZAÇÃO FÁTICA DAS ASSOCIAÇÕES CIVIS – O “CUNHO ECONÔMICO”

Tem-se, de proêmio, que as características fáticas (econômicas) das Associações Civis e os institutos que, via de regra, estariam à sua disposição em hipóteses de insolvência, endividamento, ou, iminência de crise, devem ser levados em consideração para que seja possível entender a controvérsia, chegando-se à conclusão acerca de qual seria o mecanismo juridicamente mais adequado para possibilitar eventual superação da recessão.

Dito isto, destaca-se que é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a despeito do disposto no artigo 53, caput, do Código Civil Brasileiro, de que, embora as Associações se “organizem para fins não econômicos”, não lhes é vedado o “exercício de atividade econômica”, desde que, é claro, este não seja o seu fim precípuo.

Neste exato sentido, o Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça (CJF/STJ), em sua IV Jornada de Direito Civil, editou o Enunciado nº 534, abaixo transcrito:

As associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa.

Sobre o tema, reporta-se trecho da obra de Flávio Tartuce[8]:

As associações, pela previsão legal, são conjuntos de pessoas, com fins determinados, que não sejam lucrativos. Assim deve ser entendida a expressão “fins não econômicos”. Nesse trilhar, o Enunciado n. 534 do CJF/STJ, da VI Jornada de Direito Civil (2013), estabelece que “as associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa”. Segundo as justificativas do enunciado doutrinário, “andou mal o legislador ao redigir o caput do art. 53 do Código Civil por ter utilizado o termo genérico ‘econômicos’ em lugar do específico ‘lucrativos’.

A dificuldade está em que o adjetivo ‘econômico’ é palavra polissêmica, ou seja, possuidora de vários significados (econômico pode ser tanto atividade produtiva quanto lucrativa). Dessa forma, as pessoas que entendem ser a atividade econômica sinônimo de atividade produtiva defendem ser descabida a redação do caput do art. 53 do Código Civil por ser pacífico o fato de as associações poderem exercer atividade produtiva. Entende-se também que o legislador não acertou ao mencionar o termo genérico “fins não econômicos” para expressar sua espécie “fins não lucrativos”.

A conclusão, portanto, é intuitiva.

Inexiste proibição, ou, obstáculo jurídico quanto ao exercício de atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens, ou serviços, por Associações Civis sem fins lucrativos, desde que, obviamente, a reunião entre os associados não tenha finalidade lucrativa ou de divisão de resultados.

Logo, os recursos auferidos em razão disto deverão, necessariamente, ser destinados e reinvestidos na própria pessoa jurídica, isto é, no desenvolvimento da atividade de cunho econômico (empresária?) por ela desenvolvida.

É inegável, portanto, que há, nestas hipóteses, geração de riqueza com impacto interno às Associações Civis, conforme anteriormente destacado.

Mas há também um efeito externo importante. Isto porque – e, destaca-se, da mesma forma como ocorre em sociedades empresárias – o exercício da já mencionada atividade econômica possibilitará, dentre outros, a geração e continuação de empregos, o adimplemento de tributos e a melhor na qualidade de vida e econômica da sociedade e comunidade local.

A conclusão, portanto, é que as Associações podem exercer atividade econômica.

A FACTÍVEL LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Assim, questiona-se, a partir do momento em que há a realização de determinada atividade econômica, poder-se-ia pressupor que o Ordenamento Jurídico Brasileiro, em especial a partir de suas normas e regramentos inerentes à Insolvência, em especial a Lei Federal n 11.101/2005, chancelaria, ou, socorreria, estas pessoas jurídicas?

Pois bem. O procedimento recuperacional é balizado em 02 (dois) grandes princípios, a saber, o da Função Social e Preservação da Empresa.

Objetivamente, em sua essência, lastreiam-se, respectivamente, no disposto no nos artigos 5º, Inciso XII e 3º, Inciso II, 23, Inciso X, 170, Incisos VII e VIII, 174, caput e §1º, e 192, todos da Constituição da República.

Precipuamente, a gênese destes princípios tem por finalidade maior (i) o exercício da atividade empresarial não para estrito alcance dos objetivos de seus titulares, mas visando a observância de interesses sociais, mencionando-se, dentre estes, a manutenção e criação de empregos, o pagamento de tributos e a promoção da qualidade de vida sociedade e da comunidade local; e (ii) obviamente, a manutenção da fonte econômica produtora, bem como das atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, ainda que se esteja diante de um cenário de endividamento, crise e recessão.

E a partir de uma análise teleológica dos dispositivos constitucionais anteriormente mencionados e, sem prejuízo, daqueles constantes na Lei Federal nº 11.101/2005, é possível concluir e verificar que não há disposição Legislativa expressa vedando as Associações Civis (i) de exercerem atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e serviços (desde que, claro, essa não seja a sua finalidade); e (ii) submeterem-se ao regime da Recuperação Judicial.

Inclusive, e sem maiores digressões, é essencial destacar que a Lei Federal nº 11.101/2005, especificamente no artigo 2º, Incisos I e II, elenca, expressamente, as pessoas, instituições e sociedades às quais o instituto recuperacional não será aplicado.

Em momento algum o Legislador menciona as Associações Civis.

Ainda nesta perspectiva, pondera-se que a Lei Federal nº 13.874/2019, ou, comumentemente denominada Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, dispõe que as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário (…).”[9].

Poder-se-ia entender, com base no aludido dispositivo, e de acordo com o que até o momento foi indicado, que o exercício, de boa-fé, de atividade econômica pelas Associações Civis deverá ser interpretado “no sentido de ser um dos direitos de concretização da liberdade econômica da pessoa”[10]. Logo, este exercício de cunho econômico pressuporia, ainda que por equiparação, a aplicação das normas de Direito Empresarial, em especial, na hipótese, aquelas atreladas à Insolvência, às pessoas jurídicas desta natureza.

O cerne das discussões doutrinárias e jurisprudenciais, atinentes ao tema, têm se voltado, essencialmente, para as questões, de fato e jurídicas, acima destacadas.

CONGRUÊNCIA DO REGIME RECUPECIONAL COM AS ASSOCIÇÕES CIVIS – PRECEDENTES

Ora, havendo exercício pujante de determinada atividade econômica por Associações Civis sem fins lucrativos, seria, teleológica e principiologicamente, adequado excluí-las do regime especial da Recuperação Judicial? E mais, seria congruente, a despeito do exposto, submetê-las ao restrito, duro e penoso sistema da Insolvência Civil?

Como mencionado, existem precedentes jurisprudenciais sobre o tema, todos, todavia, ainda esparsos. E não há definição efetiva do assunto pelo Superior Tribunal de Justiça.

Alguns casos emblemáticos, todavia, merecem destaque.

Dentre eles, menciona-se as ações de Recuperação Judicial aviadas pela (i) Associação Educacional Luterana do Brasil – AELBRA (autos nº autos nº 5000461-37.2019.8.21.0008), julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em 13/12/2019; e pela (ii) Associação Sociedade Brasileira de Instrução (ASBI) e pelo Instituto Cândido Mendes (autos nº 0093754-90.2020.8.19.0001), julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 03/09/2020.

Em ambas as hipóteses, os tribunais estaduais, em sintonia com o que foi ressaltado no presente estudo, reconheceram que, a despeito de se tratarem de Associações Civis, as respectivas pessoas jurídicas exerciam atividade econômica organizada para a produção, ou, circulação de bens ou serviços, destacando, ademais, a geração de empregos e a arrecadação para o Estado, com exercício da Função Social destinada às sociedades empresárias.

Em razão disto, por equiparação e a despeito de outros argumentos, consignou-se que, uma vez que se tratavam, as Associações, de agentes econômicos, era possível que se valessem do procedimento de Recuperação Judicial.

A Corte Superior de Justiça[11], recentemente, por seu turno, e ainda que em caráter precário e não definitivo, avaliou tema similar. O Ministro Relator, Luís Felipe Salomão, destacou, de proêmio, que, de fato, a possibilidade de Recuperação Judicial das Associações Civis é tema latente, que vem dividindo o entendimento da doutrina especializada e da jurisprudência.

Entretanto, segundo ele, “apesar de não se enquadrarem literalmente nos conceitos de empresário e sociedade empresária do art. 1º da Lei n. 11.101/2005 para fins de recuperação judicial, as associações civis também não estão inseridas no rol dos agentes econômicos excluídos de sua sujeição.”.

E complementou, novamente em sintonia com o exposto neste estudo, destacando que em diversas circunstâncias, as associações civis sem fins lucrativos acabam se estruturando como verdadeiras empresas do ponto de vista econômico, em que, apesar de não distribuírem o lucro entre os sócios, exercem atividade econômica organizada para a produção e/ou a circulação de bens ou serviços, empenhando-se em obter superávit financeiro e crescimento patrimonial a ser revertido em prol da própria entidade e da mantença de todas as benesses sociais às quais está vinculada.”.

Entretanto, existem, igualmente, precedentes contrários.

Exemplificativamente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[12], majoritariamente, vem afastando a análise econômica da atividade desenvolvida pelas Associações e, sob uma perspectiva legislativa literal, tem concluído que a pessoa jurídica não empresária não pode se valer do regime recuperacional.

A QUESTÃO AFETA AO REGISTRO EMPRESARIAL

E não menos importante, é imprescindível destacar que o registro, exigido pelo artigo 51, Inciso V, da Lei Federal número 11.101/2005, não é fundamental para a caracterização das atividades de determinada pessoa jurídica como de natureza empresária ou econômica.

Isto porque, frequentemente, a exigência do art. 967, caput, do Código Civil Brasileiro[13] é relativizada e considerada como meramente declaratória, o que parece ser adequado no caso das Associações Civis.

Nesta perspectiva, destaca-se, inclusive, o disposto nos Enunciados nº 198 e 199, da Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, segundo os quais “a inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário” e “a inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não de sua caracterização”.

Portanto, a ausência do registro de determinada Associação Civil perante a Junta Comercial, em regra, não poderia ser obstáculo ao deferimento do processamento da Recuperação nas hipóteses em que há demonstração de atividade econômica ou empresarial.

Afinal, trata-se de questão iminentemente formal.

A NECESSIDADE DE DEFINÇÃO DO TEMA

Diante do exposto, tendo em vista a evidente divergência jurisprudencial e doutrinária, é notório que o crescimento do número de procedimentos de Recuperação Judicial, indubitavelmente, intensificará as discussões acerca da aplicabilidade do regime da Lei Federal nº 11.101/2005, às Associações Civis.

Assim, é indubitável que a Corte Superior de Justiça será provocada para, em definitivo, pronunciar-se sobre o tema.

AS CONCLUSÕES

Neste sentido, é indiscutível que a interpretação finalística conjunta da Lei de Liberdade Econômica, do Código Civil Brasileiro, da Constituição da República e da própria Lei Federal nº 11.101/2005, assim como dos Princípios que a norteiam, deverão, inafastavelmente, ser considerados para que haja escorreita consolidação e uniformização da jurisprudência.

 E é bom lembrar, repita-se, que o Superior Tribunal de Justiça, ainda que em caráter preliminar e não definitivo, assim procedeu, conforme apontado acima. De todo o modo, não há efetiva definição por ora.

O ponto fulcral, todavia, como evidenciado, para fixação do entendimento quanto à matéria, certamente girará em torno da conjugação entre (i) o exercício de atividade econômica (empresarial) – porém não lucrativa; (ii) a geração de riqueza, mediante criação de postos de emprego, ou, manutenção dos já existentes e adimplemento de tributos; (iii) o impacto econômico-social da Associação Civil para a sociedade e a comunidade local.

Significa dizer, se determinada Associação, ou melhor, seus associados, não perseguem o lucro, mas exerce uma atividade empresarial, ou, de caráter e impacto econômico, não se pode negar que, no mínimo por equiparação, encontra-se presente o cunho empresarial que atrai a possibilidade de se pugnar, em juízo, pelo soerguimento da pessoa jurídica.

A título exemplificativo, veja-se, a despeito da existência de Associações que (i) se formam, existem, desenvolvem-se e executam seus objetivos sem qualquer atividade econômica; (ii) não se pode ignorar que há tantas outras em que a existência de atividade de econômica é parte integrante de sua própria essência, a exemplo, mas não se limitando, de mantenedoras de instituições de ensino, provedoras de serviços médicos e até mesmo, eventualmente, de clubes que exploram economicamente atividades desportivas, apostas, venda de uniformes, produção de artefatos, dentre outras.

Isso quer dizer que a finalidade da associação é o lucro? Evidentemente que não.

Porém, nestas hipóteses há um claro cunho econômico e os resultados advindos das atividades desenvolvidas, como previamente pontuado, destinar-se-ão não apenas ao desenvolvimento, manutenção e consolidação da pessoa jurídica, mas também à manutenção de empregos, adimplemento de obrigações tributárias e como vetor de desenvolvimento social.

Logo, como previamente destacado, haveria, verdadeiramente, o exercício de uma atividade essencialmente, ou, equiparadamente, empresarial pela Associação.

A Recuperação Judicial, portanto, dentro da estrutura de uma Associação Civil, qualificada como agente econômico, serviria como meio necessário a propiciar o seu soerguimento, o pagamento de credores, a proteção dos trabalhadores e a fonte produtora de riqueza, cumprindo, assim, com as finalidades do instituto.

Ainda, tem-se, em suma, que o Procedimento Recuperacional nada mais é do que uma disposição de direitos dos credores, os quais aceitam (ou não) condições propostas, cuja finalidade é o recebimento parcial do crédito, permitindo-se, ainda, que a atividade econômica ou empresarial desenvolvida tenha continuidade.

Pode-se concluir, portanto, que a tendência é que, em razão da grande majoração do número de Procedimentos Recuperacionais nos últimos anos, justificada por cenários de crise e recessão econômica a nível nacional e mundial, as Associações Civis certamente provocarão o Poder Judiciário, em especial a Corte Superior de Justiça, a se debruçar sobre a temática.

Nesse sentido, caso haja a vedação de acesso a estes procedimentos, pelas Associações Civis, elas ficarão praticamente condenadas a se submeterem ao regime da Insolvência Civil, o que, claramente, não se mostra adequado, em razão de todo o exposto e de toda a estrutura financeira, trabalhista, tributária e social envolvida. 

É certo, todavia, que a interpretação teleológica das legislações que envolvem o Procedimento de Soerguimento – incluindo-se, neste sentido, não apenas a Legislação Especial, mas também disposições Constitucionais e do Código Civil Brasileiro – pode, desde que haja efetiva comprovação do exercício de Atividades Econômica, obviamente sem precípua finalidade lucrativa, impulsionar a definição de que determinadas Associações Civis, enquadradas na condição de Agentes Econômicos, podem se valer do Procedimento de Recuperação Judicial.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 12 de dez. 2023.

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em 12 de dez. 2023.

BRASIL.  Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 12 de dez. 2023.

SERASA EXPERIAN. Pedidos de recuperação judicial crescem 94,3% em setembro, aponta Serasa Experian. 2023. Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/pedidos-de-recuperacao-judicial-crescem-943-em-setembro-aponta-serasa-experian. Acesso em: 12 dez. 2023.

STJ. Agravo Interno no Pedido de Tutela Provisória nº 3.654/RS. Quarta Turma. Relatoria: Ministro Raul Araújo. Relator do Acórdão: Ministro Luis Felipe Salomão. Publicação: 08/04/2022.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. Método. São Paulo. 2022.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Volume III. Falência e Recuperação de Empresa. Saraiva. São Paulo. 2023.

TJSP. Agravo de Instrumento nº 2190930-38.2023.8.26.0000. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Relatoria: Ricardo Negrão. Decisão Publicada em: 03/08/2023 – Pró-saúde Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar.

[3]Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/analise-de-dados/pedidos-de-recuperacoes-judiciais-registram-crescimento-de-943-em-um-ano-aponta-serasa-experian/ – acesso em 11/12/2023.

[4]Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

[5]Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

[6]Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

[7]TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Volume III. Falência e Recuperação de Empresa. Saraiva. São Paulo. 2023.

[8]TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. Método. São Paulo. 2022.

[9]Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: (…). V – Gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário; (…).

[10] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. Método. São Paulo. 2022.

[11]Agravo Interno no Pedido de Tutela Provisória nº 3.654/RS. Quarta Turma. Relatoria: Ministro Raul Araújo. Relator do Acórdão: Ministro Luis Felipe Salomão. Publicação: 08/04/2022.

[12]TJSP. Agravo de Instrumento nº 2190930-38.2023.8.26.0000.. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Relatoria: Ricardo Negrão. Decisão Publicada em: 03/08/2023 – Pró-saúde Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar.

[13]Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

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Thiago de Magalhães Kopperschmidt, Advogado do Abi-Ackel Advogados Associados, especialista em Direito Empresarial e Contratos.

Caio Amaral Müller Dimas e Souza, Advogado do Abi-Ackel Advogados Associados, especialista em Direito Empresarial.

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/399319/a-im-possibilidade-de-equiparacao-das-associacoes-civis-as-sociedades

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