Jurisprudência da Crise | por Leandro Sousa

As demandas por regularização de questões intransponíveis geradas pela crise vivenciada em todo o mundo com a pandemia do novo coronavírus movimentam os Tribunais Superiores para seu atendimento de forma diferenciada.

Não é possível que se apliquem os mesmos padrões de comportamento e julgamento aplicados a situações vivenciadas antes da crise provocada pela Covid-19 à atual realidade ou mesmo a momentos que serão vividos após a passagem da pandemia.

Fato é que grande parte da economia se viu atingida pelo momento inesperado – e que já dura por mais de um ano e meio – o que implica a sensibilidade para adequação de pactos antes firmados, independentemente de sua natureza, se fiscal, trabalhista, empresarial, imobiliária e tantas outras.

Note-se que esta premência para que haja readequação das relações contratuais, ou até mesmo interpessoais, faz com que haja manifestações em todo sentido, visando-se a sobrevivência de pequenas e microempresas, bem como de pessoas naturais que tiveram sua vida direta ou indiretamente atingida pela pandemia.

Assim, acionado o judiciário por esta corrente que tenciona ainda se manter viva no mercado surgem decisões que dilatam os termos e condições inicialmente contratados entre as partes e os adequam a novos parâmetros estabelecidos pelo período pandêmico.

Viu-se, como exemplificação, uma crescente demanda para a adequação de pactos locatícios, com redução de valores ou elastecimento de prazos para quitação dos locativos e vê-se agora aumento de ações que visam substituição de índice de reajuste, com a mudança de IGPM para o IPCA, tendo em vista o altíssimo percentual atingido por aquele índice em 12 meses (32%), contra o IPCA que apenas acompanhou a reposição inflacionária, girando em torno de 5,20% no mesmo período.

Não obstante a força legal dos contratos, a observância da sua boa-fé e a imperiosidade do que foi estabelecido entre as partes, forçosa é a intervenção do Judiciário neste momento, restabelecendo o equilíbrio contratual e evitando o enriquecimento indevido do locador, estabelecendo a manutenção de princípios constitucionais, como o da livre concorrência, da preservação do emprego e da pessoa jurídica e até mesmo da dignidade da pessoa humana.

Cite-se, também, a adoção de mecanismos legais, como a Medida Provisória 936/2020, transformada na Lei 14.020/2020, e a Medida Provisória 1.045/2020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, para regulamentar nova realidade nas relações de trabalho, com a possibilidade de redução de jornada, redução de salários, autocomposição entre trabalhadores e empresas, estabelecimento de períodos diferenciados de férias, chegando até a possibilidade de suspensão de contrato de trabalho.

Outro exemplo se deu na revisão de contratos firmados entre escolas e responsáveis financeiros por seus alunos, revendo-se as bases contratuais para adequação à realidade vivida neste período por estas pessoas físicas que também tiveram seus contratos de trabalho revisados para menor, suspensos ou interrompidos, com redução das mensalidades pactuadas.

Dessa forma, constata-se neste momento em que se vive a real necessidade de aplicação às relações humanas e negociais da regra prevista no artigo 317 do Código Civil, a qual dá ao Judiciário o poder de rever bases contratuais.

É o que se denomina de jurisprudência da crise, surgida no Direito Português em momento no qual se necessitou reinterpretar o texto constitucional à realidade vivida por uma crise econômico-financeira. Tem-se verificado em nosso ordenamento jurídico tal situação e a inegável atuação dos Poderes nesse sentido, em todas as suas esferas de atuação, como acima exemplificado.

Trata-se, pois, de se utilizar de uma certa flexibilidade jurídica para adequação a um novo estado de coisas em emergências que colocam em igualdade de condições interesses destoantes daqueles havidos em época de normalidade, à qual todos esperamos retornar em breve.

Leandro Antonio de Lima e Sousa | Diretor de Conhecimento do Abi-Ackel Advogados, Advogado, formado em Direito pela UFMG e Especialista em Direito Civil, Processo Civil e Direito Educacional

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